O governo Jair
Bolsonaro passou nos últimos três meses por uma tempestade política perfeita. À
crise inaugurada pela pandemia do novo coronavírus, menosprezada pelo
presidente desde o início, somaram-se a conturbada demissão de seu ministro
mais popular, Sergio Moro, duas trocas no Ministério da Saúde, a abertura de um
inquérito para apurar interferência política na Polícia Federal, a divulgação
em vídeo de uma escabrosa reunião de seu gabinete, o cerco a bolsonaristas
radicais em duas investigações do Supremo, a prisão de Fabrício Queiroz,
ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), em uma casa do
advogado de Bolsonaro, o diagnóstico de Covid-19 do chefe do Executivo e o
saldo nefasto de mais de 80 000 mortos pela doença. Mesmo em meio a dificuldades
sérias, que poderiam estraçalhar a popularidade de inúmeros políticos,
Bolsonaro segue firme, mostrando mais uma vez que é um fenômeno político. Se a
disputa presidencial fosse hoje, ele seria reeleito.
Essa é uma das
principais conclusões de um levantamento exclusivo realizado pelo instituto
Paraná Pesquisas entre os dias 18 e 21 de julho. Mesmo sendo um mandatário
controverso à frente de um país dividido em relação ao seu governo, Bolsonaro
lidera todos os cenários de primeiro turno — com porcentuais que vão de 27,5% a
30,7% — e derrotaria os seis potenciais adversários em um segundo round da
corrida ao Planalto em 2022: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o
ex-prefeito Fernando Haddad (PT), o ex-governador Ciro Gomes (PDT), o
ex-ministro Sergio Moro, o governador paulista João Doria (PSDB) e o
apresentador Luciano Huck. Um feito impressionante, considerando-se que,
segundo a mesma pesquisa, 48,1% dos brasileiros desaprovam a sua gestão (eram
51,7% no fim de abril) e 38% consideram ruim ou péssimo o seu trabalho (eram
39,4%). Comparada a um levantamento anterior da Paraná Pesquisas, de três meses
atrás, a aprovação oscilou positivamente de 44% para 47,1%, enquanto o
contingente que considera seu mandato ótimo ou bom foi de 31,8% para 34,3%,
variação acima da margem de erro de 2 pontos porcentuais para mais ou para
menos.
A eleição de 2022 ainda
está distante, mas chama atenção a capacidade de resistência do presidente. Os
constantes solavancos políticos e as lambanças em série na condução da pandemia
não colaram nele a ponto de erodirem a sua mais fiel base de apoio, de cerca de
30% dos eleitores — número que é considerado até por adversários como freio a
um processo de impeachment (há dezenas deles nas mãos do presidente da Câmara,
Rodrigo Maia). Na visão de especialistas, Bolsonaro conseguiu escapar à lógica
de que sucumbiria às crises por dois motivos: o auxílio emergencial, que
amenizou efeitos econômicos da pandemia em uma população indiferente às
confusões de Brasília, e a atitude mais comedida do presidente nos últimos
tempos, especialmente após a escalada de tensão com o Supremo. Seu filho e
senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse ao jornal O Globo, na
quarta-feira 22, que a “postura de distensionamento” será permanente. “Desde
que percebeu que o conflito com o STF era perigoso, o presidente recuou, ficou
quieto, parou de dar declarações bombásticas. Para uma parte dos eleitores que
o apoiam, mas eram críticos ao desempenho, a postura de Bolsonaro paz e amor
ajuda a melhorar a avaliação”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, da
USP. “Bolsonaro volta a subir principalmente com o auxílio de 600 reais, que
passou a chegar a mais gente. Com o fator bolso, a crise política fica menor.
Lula, na época do mensalão, era um herói, porque o bolso estava cheio”, avalia
Murilo Hidalgo, diretor do Paraná Pesquisas. Com os bolsonaristas já cativos, o
governo busca justamente o “fator bolso” e a expansão de programas sociais para
diversificar a sua base eleitoral. A pesquisa mostra que melhoraram os índices
de avaliação no Nordeste, uma cidadela petista e lulista. Os nordestinos ainda
são os brasileiros menos afeitos ao presidente, porém os que desaprovam o
governo caíram de 66,1% para 56,8% entre abril e julho e os que aprovam subiram
de 30,3% para 39,4%.
Pela perspectiva atual,
fica difícil imaginar uma força que possa rivalizar com o presidente. A
desaprovação ao seu governo, no entanto, faz supor que exista espaço para um
projeto alternativo, menos radical e mais equilibrado. Entre os possíveis nomes
de centro-direita, quem aparece melhor hoje é alguém que estava colado ao
presidente até recentemente, o ex-ministro Sergio Moro. Nas disputas de segundo
turno, depois do inelegível Lula, Moro é quem mais se aproxima de Bolsonaro
(44,7% contra 35%). Nas de primeiro turno, ele termina em segundo lugar, quando
o candidato do PT é Fernando Haddad e em terceiro, mas não longe, quando é
incluído o nome de Lula (veja os quadros). Visto como um ícone na batalha
anticorrupção, Moro apresenta potencial de crescimento numa faixa hoje ocupada
por Bolsonaro, mas que pode ser conquistada se as revelações do caso Fabrício
Queiroz tisnarem de vez a imagem do presidente em relação ao cuidado com o
dinheiro público. Essa ameaça de Moro já entrou no radar do bolsonarismo nas
redes sociais e em manifestações de rua, que o elegeram como novo integrante do
hall de “traidores da pátria”. O ponto negativo de Moro como alternativa a
Bolsonaro é que, em razão de sua atuação como juiz, marcadamente contra Lula e
o PT, ele dificilmente vai aglutinar apoios da esquerda. Outro dado
dificultador é que ninguém sabe ao certo quais são as posições econômicas
defendidas pelo ex-ministro.
Depois de derrubar a
economia do país e assaltar o estado brasileiro, o velho oponente ideológico
ainda tem um eleitorado cativo (Paulo Maluf também tinha, mesmo depois de
comprovadas todas as denúncias de corrupção contra o ex-prefeito de São Paulo).
Embora tenha sido condenado e preso na Lava-Jato e esteja inelegível pela Lei
da Ficha Limpa, Lula tem ainda um forte recall entre os eleitores desse
espectro. O petista chega a ter ampla vantagem sobre o presidente entre
nordestinos (34,1% a 18,7%) e eleitores que estudaram até o ensino fundamental
(31,5% a 21%). Na verdade, a fidelidade das pessoas ao petista se assemelha, de
certa forma, à dos bolsonaristas mais ferrenhos. Há um quê de identificação e
simpatia pessoal, elementos mais emocionais do que racionais. “Lula é uma
liderança com raiz social muito importante, criou o Bolsa Família, fortaleceu
universidades. Foi contestado pela corrupção, mas não eliminou esse apoio”, diz
José Álvaro Moisés, da USP. Embora o piso eleitoral da esquerda seja
respeitável, seu teto é baixo. Ninguém desse campo político demonstra
capacidade de bater o presidente num eventual segundo turno. Tanto Lula quanto
Haddad, oponente de 2018, são derrotados por Bolsonaro nas simulações de
embates diretos — o capitão, aliás, ganha de seus rivais, não só os petistas,
em todos os recortes de gênero, idade e escolaridade, à exceção da preferência
por Lula entre os que estudaram até o ensino fundamental. “No segundo turno,
onde estão os 48% que desaprovam Bolsonaro? Não tem ainda um candidato para
catalisar essa desaprovação”, analisa o cientista político Antonio Lavareda.
Da Veja
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