O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga diz que Luiz Inácio Lula da Silva não é o único no Brasil a considerar que os juros estão elevados, mas afirma que a instituição precisa de ajuda para melhorar condições da economia e avançar para uma queda nas taxas.
Segundo Fraga, com quem
conversei hoje, “é inegável” que os juros são altos, mas a solução para tentar
reduzi-los não passa por dar declarações que reduzem a confiança dos agentes
econômicos na capacidade do governo de manejar de forma responsável as contas
públicas.
“As taxas de juros são
mesmo uma questão, o Brasil é um ponto fora da curva. Mas para mim está mais ou
menos claro que se o Banco Central, sozinho, não está conseguindo dar conta –
ou até está, mas está custando muito caro – isso quer dizer que ele precisa de
uma ajuda fiscal do governo”, diz.
Para ele, os ataques de
Lula ao BC e seu presidente, Roberto Campos Neto, provocam muitas dúvidas em
relação à disposição do governo de manter a disciplina fiscal.
“Dar um apoio amplo a
medidas dessa natureza teria um efeito importante sobre a credibilidade da
política econômica, que reduziriam o prêmio de risco (sobre os títulos da
dívida brasileira) e ajudaria na valorização do real frente ao dólar. Mas o que
a gente está vendo é uma ameaça de voluntarismo, que é Dilma.2, que está fadada
ao insucesso, e que pode atrapalhar tudo de bom que esse governo pode fazer”.
Para Fraga, que comandou
o Banco Central durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e hoje é gestor
do Gávea Investimentos, a reação do presidente da República ao comunicado do
Copom que citava uma “incerteza maior do que o habitual” no âmbito da política
monetária foi fruto de interpretação errada.
“O correto (seria
entender que) apesar do esforço de Haddad em promover um ajuste, todo o estrago
que foi feito pelo atual presidente com as suas declarações vai na direção
contrária. O que ele diz tem peso, e não ajuda a eliminar a impressão geral de
que o atual governo não tem uma convicção firme em relação à importância da
disciplina fiscal”.
O ex-presidente do BC não
está entre os gestores e investidores que consideram que as declarações de Lula
são arroubos retóricos que poderão ser contidos pela equipe econômica. “Isso é
sério, e inclusive contradiz o que Lula disse na campanha, que era ‘não se
preocupe, que em todos os meus governos eu tive superávit primário’, e agora
não há um compromisso formal com o superávit. Esse compromisso tem que
existir”.
Fraga, que defende a
independência do Banco Central, reconhece que Roberto Campos Neto merece
críticas por ter se alinhado politicamente ao bolsonarismo. “Foi uma pena ele
ter tomado certas atitudes, mas não vamos confundir as coisas. Eu não tenho
porque achar que ele vai tomar medidas equivocadas de propósito para punir esse
governo. Isso é de um nonsense completo”.
O ex-dirigente do BC diz
que dá mais valor do que muitos de seus colegas ao ajuste que Haddad se
comprometeu a fazer. “Acho que é um primeiro passo. Mas ainda deixa o saldo
primário negativo em 1% mais ou menos, quando deveria ir para um superávit de
no mínimo 2%”.
Chegar lá, segundo ele,
depende de uma série de outras definições do governo Lula, como fazer a reforma
tributária, não retroceder nas reformas previdenciária e trabalhista natureza
da reforma tributária, ou entrar na OCDE, por exemplo.
Fraga acha que não é
necessário mudar a meta de inflação. Em sua opinião o BC já trabalha com um
horizonte mais longo para a política monetária, que segundo a própria ata do
Copom é o terceiro trimestre de 2024. Ou seja, a inflação pode cruzar este ano
um pouco acima da meta, desde que chegue à meta no final de 2024. “Minha
leitura é que isso já é uma flexibilização, e uma flexibilização adequada”.
O que ele considera que o
governo Lula não pode perder de vista é a noção da importância do ajuste. Isso
porque, em sua visão, o presidente da República está influenciado por pessoas
que “prometeram a ele milagres, dizendo que não tem problema em se endividar e
que pode tomar dinheiro emprestado sem limites”.
Um dos protagonistas da
transição entre o governo FH e o primeiro governo de Lula, o ex-presidente do
BC afirma que “se o presidente refletir sobre a própria experiência dele,
talvez ele dispense essas ideias meio malucas que estão surgindo e siga um
caminho que a meu ver é não só compatível com a busca da responsabilidade
social, mas é necessário. Porque na bagunça fiscal, pode ter certeza que os
pobres sempre perdem”.
O Globo
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